quinta-feira, 28 março, 2024 15:28

MATÉRIA

Câncer de Mama

“O apoio do marido e de toda a família é muito importante”

Fazemos aqui uma homenagem aos homens que participam ativamente de todos os momentos – mesmo os mais difíceis – da vida de suas parceiras, mães, irmãs, amigas. Eles podem surpreender!

Quando alguém adoece na família, precisando de acompanhamento e cuidados específicos, quase sempre quem ocupa o papel de cuidador é uma mulher. Filha, irmã, nora, mãe, avó, amiga – a que estiver mais próxima e disponível. E não é diferente com as mulheres em tratamento do câncer de mama, que de repente veem suas vidas atingidas pelo desgaste físico e psicológico de uma cirurgia, da quimio ou da radioterapia. São dias difíceis, em que, mais que uma mão amiga para resolver tarefas práticas do dia a dia, como a comida, a roupa, o banho, a paciente precisa de um ombro sobre o qual possa dar vazão a suas emoções e de palavras de afeto que a incentivem a lutar, a superar o mal-estar daquele momento.

Nesse cenário, que mobiliza em maior ou menor grau todos os membros da família, os homens são tradicionalmente vistos como coadjuvantes, já que por razões históricas e sociais o ato de cuidar sempre foi atribuído ao sexo feminino. Isso não significa, porém, que eles sejam menos capazes – muito pelo contrário, como mostrou uma pesquisa realizada no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O assunto foi tema da tese de doutorado, defendida em 2006, de Vera Lúcia Rezende, psicóloga. “Foi uma surpresa descobrir que os homens se saíram melhores cuidadores que as mulheres. Até então nós sempre incentivávamos a participação delas”, reconhece a pesquisadora.

A PESQUISA

Acompanhar uma paciente durante um tratamento muitas vezes agressivo é algo que abala os alicerces emocionais também do cuidador. O foco do estudo de Vera Lúcia foi justamente entender como é a reação de homens e de mulheres nessa função, algo que se reflete, positiva ou negativamente, no bem-estar das pacientes.

Segundo a autora, é comum a ansiedade ou a depressão dos cuidadores desencadear o mesmo problema nessas mulheres, algo que se soma aos sintomas físicos que elas já enfrentam. A pesquisadora analisou 133 cuidadores informais, dos quais 70% eram mulheres (a maioria filhas) e o restante, homens (a maioria maridos). Todas as pacientes estavam internadas no Caism com diagnóstico de câncer de mama ou ginecológico (útero ou ovário) em fase avançada, sem chances de cura.

Os resultados mostraram que, em geral, os homens aceitavam melhor a função de cuidador. Além disso, o diagnóstico de ansiedade e depressão foi muito maior entre as cuidadoras. Enquanto 58% dos homens apresentavam depressão, 82% das mulheres foram diagnosticadas com o distúrbio. “O homem, principalmente quando é marido, parece estar mais protegido do ponto de vista psíquico”, afirma Vera Lúcia. Para ela, outra possível explicação para o resultado está na relação muitas vezes ambivalente entre mãe e filha, que, nesse momento crítico, deixa vir à tona sentimentos conflitantes de amor, ódio e culpa. “Além disso, a filha também tem de lidar com a ideia de que esse tipo de câncer na mãe aumenta a probabilidade de que ela própria venha a adoecer do mesmo problema no futuro”, explica a psicóloga.

Um mecanismo biológico também poderia estar a favor do sexo masculino. Pesquisas mostram que, depois de um trauma psicológico, os homens produzem serotonina – um neurotransmissor cerebral associado ao humor – mais rapidamente que as mulheres, o que diminuiria a chance de instalação de um quadro ansioso ou depressivo neles.

ROTINA PROTETORA

Agitação, insônia, irritação e perda do apetite são os sintomas mais comuns que afligiam os cuidadores analisados no estudo. “Muitos deles se esqueciam de tomar banho, às vezes tínhamos de obrigá-los a voltar para casa. Manter um mínimo de rotina pessoal é um fator protetor”, afirma Vera Lúcia.

Abnegação total em função do doente, portanto, pode ser nocivo para ambos. Será essa uma atitude mais comum nas cuidadoras? O estudo não analisou essa questão, mas talvez seja mais fácil, ou mais aceito, que a mulher abdique temporariamente de suas atividades diárias para se dedicar exclusivamente à mãe doente do que se o mesmo fosse feito pelo marido ou pelo filho. “A sociedade muitas vezes impede o homem de se aproximar dessa situação”, reconhece a psicóloga.

Em sua opinião, no entanto, o acolhimento pelo companheiro nesse momento, mesmo que ele não possa estar presente ao lado da mulher 24 horas por dia, é extremamente importante para que ela lide melhor com aspectos da sexualidade e da feminilidade, que estão necessariamente em jogo no caso do câncer de mama. “O fato de o marido querer participar também é indicador de uma boa relação entre o casal”, diz a pesquisadora.

Então, se for para o bem das mulheres, que eles sejam muito bem-vindos.

Na hora de enfrentar o câncer, a formação do tripé paciente/profissionais de saúde/família é essencial. Informe-se, busque orientação e saiba a melhor forma de dar e receber apoio.

Muito já se falou sobre a importância da participação da família no tratamento da paciente, mas é essencial saber como participar, como acompanhar todas as etapas da doença, como cuidar e a melhor maneira de se informar sobre o assunto. Para começar, é muito importante que o cuidador não confunda cuidar da paciente com assumir suas tarefas. Em muitos casos, isso não é necessário e pode até prejudicar. Lembre-se de que a paciente precisa participar ativamente do processo de tratamento. Incentivar, estimular, orientar, supervisionar e acompanhar pode ser muito mais produtivo.

Conhecer a doença, os tratamentos e suas consequências físicas e emocionais pode ajudar muito na hora de dar esse suporte. Antes de qualquer coisa, pesquise muito sobre a doença, visite sites na internet, se possível acompanhe a paciente ao médico, converse com os especialistas e os psicólogos do hospital, participe de grupos de apoio e ofereça todo o suporte emocional necessário.

Todo cuidado é pouco para não transparecer piedade. “Orientamos o cuidador a não sentir pena da paciente, pois ela não gosta de estar naquela condição”, explica Bianca Beraldi Xavier, assistente social e psico-oncologista que atende na Associação Feminina de Combate ao Câncer (Afecc), do Hospital Santa Rita, e na Clínica Capixaba de Oncologia, em Vitória (ES). “Procure incentivá-la a continuar seus hábitos, desde que sejam saudáveis, como a leitura, os esportes, o lazer, e também a prosseguir com as atividades da casa, observando, porém, suas limitações”, orienta a profissional.

Mas como definir quem será o cuidador “oficial” da paciente? É um desafio pessoal, mas vale a pena. “No geral, a eleição ocorre de modo natural, pois na dinâmica de funcionamento familiar os ‘lugares’ de cuidador, na maior parte das vezes, já estão ‘eleitos’”, explica Dirce Maria Navas Perissinotti, psicóloga coordenadora da campanha Viva sem Dor, do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital Nove de Julho. “O funcionamento do grupo familiar ocorre de tal maneira que o elemento responsável pelo cuidado geral – provedor financeiro ou cuidador afetivo – já está presente e, no momento da crise decorrente da má notícia sobre o câncer de mama, essa condição se confirma”, acrescenta. Bianca Beraldi Xavier concorda: “Quem ama cuida, e cada família define naturalmente seus cuidadores”. E alerta: “Não é fácil esse papel, pois normalmente os membros dessa família estão no mercado de trabalho, necessitam garantir sua sobrevivência, mas sempre encontram alternativas para o ato de cuidar”.