sábado, 20 abril, 2024 09:09

MATÉRIA

Ser tocado é necessário

A grande maioria das pessoas acredita que as pessoas se tocam entre si menos do que gostariam. E elas têm razão. Além disso, ser tocado é fundamental para um desenvolvimento saudável.

Um estudo americano, nos anos 50, acompanhou 34 bebês órfãos. As enfermeiras atendiam às suas necessidades físicas, mas não lhes davam nenhum carinho. Não os acariciavam nem brincavam com eles. Aos três meses, os bebês tinham dificuldade de conciliar o sono, estavam perdendo peso e gemiam. Dois meses depois estavam apáticos. E, ao fim de um ano, 27 deles tinham morrido. A conclusão então é a de que necessitamos de contato físico, de carinho. Mas nem sempre isso acontece.

Entretanto, não são somente as crianças que sofrem. Muitos adultos se ressentem da falta de carinho recebida: “Não me lembro de um carinho do meu pai, um beijo sequer”; “Meu marido sempre rejeitou chamegos; nunca foi de fazer carinho”; “Desde pequena assisto com curiosidade a relação de alguns amigos com seus familiares: beijos e abraços. Lá em casa nunca houve isso”; “Tenho certeza de que minha namorada me ama, só que ela detesta que eu a abrace e faça carinho”. Em toda a minha vida profissional, ouvi muitos comentários como esses.

Entre nós existe uma carência profunda daquilo que mais desejamos: tocar, abraçar, acariciar. A pele, o maior órgão do corpo, até há pouco foi negligenciada. Ashley Montagu, um especialista americano em fisiologia e anatomia humana, se dedicou, por várias décadas, ao estudo de como a experiência tátil, ou sua ausência, afeta o desenvolvimento do comportamento humano.

A linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos socializados, é capaz de ampliar nossa valorização do outro e do mundo em que vivemos, e de aprofundar nossa compreensão em relação a eles. Tocar é a principal dessas linguagens. Afinal, como ele diz, nosso corpo é o maior playground do universo, com mais de 600 mil pontos sensíveis na pele.

Montagu acredita que a capacidade de um ocidental se relacionar com seus semelhantes está muito atrasada em comparação com sua aptidão para se relacionar com bens de consumo e com as pseudonecessidades que o mantêm em escravidão. A dimensão humana encontra-se constrangida e refreada. Tornamo-nos prisioneiros de um mundo de palavras impessoais, sem toque, sem sabor. Mas estamos começando a descobrir nossos negligenciados sentidos.

O sexo tem sido considerado a mais completa forma de toque. Em seu mais profundo sentido, o tato é a verdadeira linguagem do sexo. É principalmente através da estimulação da pele que tanto o homem quanto a mulher chegam ao orgasmo, que será tanto melhor quanto mais amplo for o contexto pessoal e tátil.

Um ditado francês diz que uma relação sexual é a harmonia de duas almas e o contato de duas epidermes. E por sermos criação contínua neurologicamente e podermos combinar nossa capacidade de movimento e contato com a nossa sensibilidade de pele, é possível ficar muito tempo acariciando alguém sem repetir nunca a mesma sensação.

Mas até que ponto existe relação entre as primeiras experiências táteis de uma pessoa e o desenvolvimento de sua sexualidade? O autor acredita que da mesma forma como ela aprende a se identificar com seu papel sexual, também aprende a se comportar de acordo com o que foi condicionado originalmente por meio da pele.

Assim, o sexo pode ter uma variedade enorme de significados: uma troca de amor, um meio de magoar ou explorar os outros, uma modalidade de defesa, um trunfo para barganha, afirmação ou rejeição da masculinidade ou feminilidade, e assim por diante, para não mencionar as manifestações patológicas que o sexo possa ter, em maior ou menor intensidade, influenciadas pelas primeiras experiências táteis.

Montagu acredita que a estimulação tátil é uma necessidade primária e universal. Ela deve ser satisfeita para que se desenvolva um ser humano saudável, capaz de amar, trabalhar, brincar e pensar de modo crítico e livre de preconceitos.