O impacto que a recente pandemia teve ao redor do mundo fez com que praticamente todos nós tivéssemos que lidar com algum tipo de mudança ou adaptação em nossas vidas. Pode ser pelo simples uso obrigatório de máscara durante algum tempo, ou adaptarmos um cantinho em casa para nosso ‘home office’, e até reflexões mais profundas sobre o curto, mas impactante período em que ficamos de quarentena, onde pudemos analisar vários hábitos que percebemos não serem tão importantes assim. Muitas pessoas passaram daquele momento em diante a valorizar mais o tempo com a família, diminuíram o consumo de algumas futilidades, ou seja, reavaliaram seu estilo de vida. Mudar é isso. Raramente estamos preparados para mudança, ou encontramos a hora certa de mudar. Às vezes o momento nos pega de surpresa e temos que rapidamente nos adaptar a uma nova realidade, como aconteceu durante o início da pandemia. Mas será que é sempre necessário algo tão grande ou impactante para que decidamos mudar?
A resposta é: não. A mudança deve acontecer sempre que algo não estiver funcionado bem, sempre que perceba que tem alguma coisa fora do lugar. Quando não estiver confortável com alguma situação, sentir-se incomodado, então é hora de decidir mudar. O simples fato de nós imigrantes estarmos em um país diferente do nosso, significa que em algum momento você sentiu que precisava de algo novo, que alguma coisa não ia tão bem. Os motivos que nos trouxeram até aqui são muito particulares de cada um, mas certamente a vontade e o anseio de mudar é algo comum a todos. E olha que as mudanças para a maioria daqueles que chegam por aqui é drástica em vários aspectos: uma nova língua, novos trabalhos, novas leis, novos hábitos, ou seja, um ritmo de vida completamente diferente. Alguns se adaptam com mais facilidade, outros demoram mais, e outros não se adaptam de forma alguma. Vocês já perceberam que às vezes a mudança é tão grande que excede a nossa capacidade de nos adaptarmos? Porém é interessante ressaltar que essa capacidade de adaptação varia de pessoa para pessoa. Cada um de nós tem um limite de adaptabilidade. O exemplo do imigrante que se muda para outro país ilustra bem esse conceito.
Tem um exemplo muito interessante, que é um clássico da história do marketing. Em seu artigo “Miopia em Marketing”, Theodore Levitt conta uma incrível história sobre o declínio das ferrovias. Há algumas décadas, quando o transporte ferroviário de pessoas e mercadorias estava no auge, seus administradores tinham certeza de que o futuro de seu negócio seriam as estradas de ferro. No entanto com o advento da aviação e a implementação de estradas de qualidade ligando longas distâncias, os transportes aéreo e terrestre aos poucos foram substituindo a necessidade do uso de linhas férreas. Isso acabou declinado aquele negócio causando a ruína de muitos empresários. Caso eles tivessem se atentado à mudança um pouco mais cedo, teriam enxergado que seu negócio não era exatamente ‘estradas de ferro’, e sim, transporte. Assim, poderiam ter se adaptado e investido em outros meios de transporte como caminhões ou aviões, para continuarem seu negócio. Ao invés disso, a visão míope não os deixou enxergar que a mudança estava acontecendo. Isso é muito comum em várias empresas que não percebem a necessidade de mudança e acabam perdendo mercado e clientes e amargando grandes prejuízos.
Um exemplo recente, também relacionado à pandemia, foi que muitos negócios que não se adaptaram ao modelo digital ou ao menos reforçaram sua presença online, perderam muitos clientes e inúmeros tiveram que fechar suas portas. Ao passo que outros enxergaram uma oportunidade em meio ao caos, e investiram pesado em serviços de delivery, drive-thru e perceberam que o lucro que tiveram foi ainda maior que antes da pandemia. Isso é apenas um exemplo, mas são vários segmentos empresariais que se beneficiaram da mudança no mercado. Em Alpharetta, cidade da região metropolitana de Atlanta, existe um projeto ousado para ampliação e renovação de um centro de compras tradicional na cidade. O projeto, que prevê a construção de um ‘mall’ aberto, com amplo espaço ao ar livre, com lojas e escritórios no térreo e apartamentos nos andares acima, teve seu design alterado durante a pandemia. Os empresários perceberam que a demanda por um ‘home office’ deve se manter em alta mesmo após a pandemia, pois muitas empresas passaram a adotar esse modelo como permanente, evitado custos com o deslocamento e manutenção do funcionário e percebendo que a produtividade se manteve. Sendo assim, o projeto foi resenhado para diminuir o tamanho das salas de escritórios e ampliar o tamanho dos apartamentos para incluir um espaço para ‘home office’. Estar atento às mudanças demanda ousadia e perceber rapidamente o ambiente a seu redor para tomar decisões certeiras.
“Se não está quebrado, não conserte”, ou “em time que está ganhando, não se mexe.” Certamente você já deve ter ouvido esses ditados ao longo da sua vida. Mas será que é assim mesmo? Todos temos alguns conceitos impregnados em nossa consciência que dificultam esse movimento de mudar quando é preciso. A grande maioria das pessoas não gosta ou não quer mudar. A resistência à mudança existe e é um dos grandes obstáculos que todos enfrentam quando decidem partir para uma nova realidade. Tal qual as empresas que sempre têm que se adaptar às novas tendências do mercado, nós também temos que estar atentos ao que acontece ao nosso redor para podermos nos adaptar. Mudar significa dar um passo rumo ao desconhecido. Ninguém tem certeza absoluta do que acontecerá e isso causa medo, ansiedade, angústia e receio em sair da zona de conforto. Talvez isso signifique uma ameaça por medo de perder o controle da situação e isso faz que a gente se apegue demais ao momento que estamos vivendo. Mas como podemos administrar essa resistência? Existem algumas dicas que podem te ajudar nesse caminho rumo à mudança:
– Seja sincero com você mesmo e com todos os envolvidos na mudança: a forma como você irá comunicar a mudança depende de cada cenário. Algumas pessoas preferem ser diretas e objetivas. Outras preferem ir comunicando aos poucos, preparando o terreno para não dar a notícia de uma vez. As decisões individuais também são assim. Algumas pessoas decidem mudar de uma hora para outra, e outras vão amadurecendo e aceitando a ideia com o tempo.
– Tenha claro como a mudança irá lhe afetar: os impactos virão a curto ou longo prazo? O que vai mudar na sua rotina? Às vezes os envolvidos estão tão ansiosos com a mudança que deixam de analisar racionalmente as consequências e não avaliam nem os benefícios, nem a perdas que tais mudanças podem trazer.
– Permita-se um tempo para digerir os efeitos da mudança: os primeiros instantes da mudança são confusos e não conseguimos enxergar com nitidez tudo o que acontece ao nosso redor. As coisas dificilmente se ajeitam rapidamente. Normalmente leva um tempo (que pode variar de algumas semanas, a meses ou anos) para que os efeitos da mudança sejam percebidos, aceitos e para que possamos nos adaptar definitivamente. Importante também deixar claro que reconhecer que aquela mudança não foi boa, também pode levar um tempo.
A ansiedade é um fator de relevância quando discutimos a resistência à mudança. Esse sentimento de insegurança pode agir como um mecanismo de defesa para que os indivíduos hesitem em mudar. “Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim Gabriela. Sempre Gabriela”. A famosa letra de Dorival Caymmi, eternizado nos agudos de Gal Costa são uma representação do que se tornou conhecido como a “Síndrome de Gabriela.” Reconhecemos facilmente aqueles que dizem que ‘nasceram assim’ e não vão mudar. É pouco provável pensar em um indivíduo que não muda nunca. Pode até ser que a pessoa afirme com todas as letras que ela tenha uma ‘personalidade forte’, e que dificilmente muda sua opinião, mas é claro que não existe um ser que seja completamente imutável. Uma personalidade ‘forte’ é apenas uma forma popular de dizer que a pessoa tem opiniões formadas, que não aceita qualquer argumento e que tem valores e um jeito de ser muito enraizado em seu caráter. Mas não tem como definirmos a personalidade de uma pessoa apenas como ‘forte’ ou ‘fraca’. São tantas variáveis que devem ser consideradas ao analisar a personalidade de alguém, que uma simplificação assim não faz muito sentido. Sendo assim, se você tem a Síndrome de Gabriela, repense seus conceitos e experimente ser um pouco mais flexível.
Enfim, mudar é preciso, é necessário. A hora de mudar vai depender de fatores externos, da análise de cada um nós e da situação em que nos encontramos. É importante ressaltar que mudar implica sempre em ganhos e perdas, e ter consciência disso pode contribuir muito para o sucesso de sua jornada.