domingo, 22 dezembro, 2024 14:11

MATÉRIA

Carregar carros elétricos demora. Quando será tão rápido quanto encher o tanque?

Os longos tempos de carregamento de baterias desanimam eventuais clientes de carros elétricos, mas novos estudos científicos indicam que é possível uma recarga rápida.

Os veículos elétricos estão se popularizando rapidamente, mas alguns possíveis compradores ainda hesitam. Um dos principais motivos é a recarga lenta dos veículos elétricos. Enquanto os motoristas de hoje estão acostumados a abastecer seus tanques de combustível em menos de cinco minutos, os veículos elétricos, a depender do tamanho e das especificações da bateria, normalmente levam ao menos 30 minutos para obter 80% de carga nas estações de recarga mais rápidas existentes.

Entre cinco e 10 anos, entretanto, pode ser possível uma recarga muito mais ágil. Empresas estão desenvolvendo novos materiais de bateria de íons de lítio, bem como novas baterias de “estado sólido”, mais estáveis a velocidades de recarga mais rápidas. Com isso, seria possível fazer recargas em 20 minutos, no máximo.

Enquanto isso, uma equipe de cientistas projetou recentemente um protótipo de bateria de lítio que, em condições de laboratório, pode recarregar mais de 50% de sua capacidade em apenas três minutos — e pode repetir esse feito milhares de vezes sem uma degradação significativa. Segundo pesquisadores, isso permitiria que baterias pudessem ser recarregadas por completo em apenas 10 minutos.

No entanto ainda há desafios científicos e de engenharia a serem superados antes que as baterias de veículos elétricos de recarga ultrarrápida sejam tecnicamente viáveis e acessíveis. E alguns especialistas questionam se os veículos elétricos com uma recarga tão rápida seriam algo realmente a ser almejado — ao menos com a rede elétrica atual.

Carregamento

As baterias dentro dos veículos elétricos atuais são compostas por milhares de células de íons de lítio com capacidade de armazenar e liberar energia milhares de vezes. Cada uma dessas células é constituída por dois eletrodos — um cátodo de metal e um ânodo de grafite — separados por um eletrólito líquido. Quando a bateria é carregada, os íons de lítio atravessam o líquido do cátodo ao ânodo, preenchendo os espaços entre as camadas de grafite, como blocos de madeira no jogo de equilíbrio torre Jenga.

A velocidade com que os íons de lítio se deslocam do cátodo ao ânodo determina o tempo em que a bateria é carregada. Mas, assim como se apressar ao montar blocos em uma torre Jenga pode deixar a estrutura instável, se o lítio for forçado ao ânodo rápido demais, podem surgir problemas.

Sob altas velocidades de recarga, as baterias de lítio podem superaquecer, causando sua degradação com o tempo. Ainda mais problemático seria o acúmulo de lítio na superfície do ânodo em vez de em seu interior, um fenômeno conhecido como camada de deposição de lítio, o que pode reduzir drasticamente a capacidade da bateria e ainda fazer com que os depósitos de lítio acabem formando estruturas semelhantes a filamentos conhecidas como dendritos. Quando começam a se formar, esses dendritos podem atravessar o eletrólito, alcançar o cátodo e criar um curto-circuito, fazendo com que a bateria pegue fogo ou exploda.

“Obviamente, é um risco de segurança”, afirma Peter Slater, professor de química de materiais da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

Devido aos problemas com a recarga rápida, todas as baterias de veículos elétricos possuem limites incorporados de velocidade de recarga definidos pelas portas de carga a bordo do carro. Uma estação de recarga rápida de 350 quilowatts — o carregador público mais potente disponível nos Estados Unidos atualmente — pode, em tese, carregar uma bateria de 95 quilowatt-hora de um SUV Audi E-tron em 16 minutos em média. Mas a bateria em si consegue suportar apenas cerca de 150 quilowatts de potência, no máximo, o que, na prática, aumenta seu tempo limite de recarga para perto de 40 minutos.

A velocidade exata de recarga de uma bateria no mundo real não depende apenas do carregador ou de quantos quilowatts de energia a bateria foi projetada para suportar, mas também do tamanho da bateria, de como é carregada e até mesmo do clima. Ainda assim, as estações de recarga rápida de última geração geralmente podem deixar a carga da bateria de um veículo elétrico 80% completa, oferecendo centenas de quilômetros de autonomia, em cerca de 30 minutos (ao completar 80% da carga, a velocidade de carregamento é reduzida para evitar que a bateria seja danificada). Os proprietários de Teslas podem visitar uma estação de supercarregamento que carrega em 15 minutos o suficiente para dirigir por cerca de 320 quilômetros.

Um futuro de recargas ultrarrápidas?

Embora uma recarga de 15 minutos para 320 quilômetros seja rápida, está longe de se equiparar ao abastecimento de apenas cinco minutos nos postos de combustíveis. Talvez aqueles que têm a expectativa de carregar um veículo elétrico em um tempo semelhante prefiram esperar a próxima geração de tecnologias de baterias.

Uma opção para produzir uma bateria de íons de lítio capaz de carregar com segurança ainda mais rápido é utilizar materiais de ânodo alternativos. Por exemplo, a startup Echion technologies, no Reino Unido, desenvolveu um ânodo de nióbio que não provoca deposição de lítio ou formação de dendritos. As baterias produzidas com esse material podem ser carregadas “bastante rápido”, conta Jean De La Verpilliere, presidente da startup. Seu protótipo de células de baterias para veículos elétricos pode ser carregado em seis minutos “sem afetar a segurança nem a vida útil da bateria”, afirma ele.

No entanto essa carga rápida tem seu preço: os ânodos de nióbio armazenam menos energia por unidade de massa em comparação com os tradicionais de grafite. Como os fabricantes de veículos elétricos geralmente priorizam baterias com alta densidade de energia (que podem durar mais tempo com uma única carga) em detrimento das baterias de recarga ultrarrápida, a Echion atualmente busca outros mercados para suas baterias, como armazenamento de energia da rede elétrica e ferramentas elétricas. De La Verpilliere prevê que, algum dia, uma versão dessas baterias poderá ser empregada por frotas de veículos que não possam parar para recarregar por ser caro demais à empresa.

Para motoristas individuais que buscam um aproveitamento maior de seus quilowatts, os novos desenvolvimentos de baterias de estado sólido são promissores. Nessas baterias, os íons de lítio atravessam um eletrólito sólido, geralmente de cerâmica, em vez de líquido. Como os eletrólitos líquidos são inflamáveis, a bateria é mais segura. Essas baterias também permitem o uso de diferentes materiais de ânodo, que são mais resistentes à deposição de lítio e que, portanto, podem ser carregados mais rapidamente.

A Solid Power, empresa que desenvolve baterias de estado sólido com financiamento do Grupo BMW e da Ford, está desenvolvendo uma célula de bateria de ânodo de silício que, segundo Joshua Buettner-Garrett, diretor de tecnologias da empresa, pode ser carregada a meia carga em 15 minutos e que está prevista para ser totalmente carregada em 20 minutos em sua versão comercial. A empresa também desenvolve baterias com ânodos de metal de lítio, que podem armazenar dez vezes mais energia por unidade de massa do que o grafite.

Em um projeto de estado sólido, as baterias de metal de lítio poderiam, teoricamente, ser carregadas bastante rápido. Na prática, entretanto, também estão propensas a formar dendritos, apresentando defeitos rapidamente, sobretudo sob altas velocidades de recarga. Baterias de metal de lítio de recarga rápida seriam o principal objetivo das baterias de veículos elétricos de alto desempenho, mas “ainda estão em desenvolvimento”, observa Buettner-Garrett.

Novas pesquisas podem fazer com que essas superbaterias estejam mais perto de se tornar realidade. Recentemente, uma equipe liderada por Xin Li, cientista de materiais da Universidade de Harvard, projetou uma célula de bateria de metal de lítio de estado sólido que utiliza diferentes camadas de materiais no eletrodo para impedir o aparecimento de dendritos de lítio. Na revista científica Nature, a equipe descreveu um protótipo de bateria que poderia ser carregada em apenas três minutos, preservando mais de 80% de sua capacidade após 10 mil ciclos (as baterias comuns de veículos elétricos degradam em uma extensão semelhante depois de mil a dois mil ciclos).

As pesquisas ainda estão em estágio inicial. A equipe precisa demonstrar que é possível expandir a escala de produção da bateria, atualmente do tamanho de uma moeda, e produzi-la em massa para uso em automóveis.

Li afirma que uma versão comercial dessa bateria será possível em cerca de cinco anos “na melhor das hipóteses”.

Se as vantagens do metal de lítio puderem ser aproveitadas, afirma Venkat Viswanathan, engenheiro da Universidade Carnegie Mellon, cujo laboratório também desenvolve baterias de última geração, “muitos dos pressupostos iniciais em relação à recarga rápida, na prática, cairão por terra”.

Limites de velocidade social

Ainda que o desenvolvimento de baterias de veículos elétricos que possam ser carregadas em menos de 10 minutos seja tecnicamente viável, não se sabe ao certo se a recarga ultrarrápida seria algo prático. Com mais de 400 volts, as estações atuais de recarga rápida já consomem muito mais energia da rede elétrica do que as tomadas de 120 e 240 volts utilizadas em casa por muitos proprietários de veículos elétricos. Se todos os norte-americanos dirigissem veículos elétricos e esperassem uma recarga cada vez mais rápida disponível o tempo todo, poderia haver um pico de tensão na rede elétrica.

“Há outros fatores a serem considerados sobre a infraestrutura”, adverte Li. “É preciso analisar quanta corrente o sistema todo consegue suportar.”

Buettner-Garrett revela que há um equilíbrio a ser alcançado “tanto em termos do impacto social, quanto dos pontos de carregamento, para atingir a combinação certa entre praticidade e custo”. Os fabricantes de veículos elétricos, prossegue ele, reconhecem essa necessidade e estão tentando alcançar tempos de recarga entre 20 e 30 minutos para os carros que serão lançados em alguns anos.

Jenny Baker, especialista em armazenamento de baterias da Universidade de Swansea, no Reino Unido, não está certa de que a recarga ultrarrápida seja o objetivo certo. Carregar em casa durante a noite, quando a demanda é menor, observa ela, é mais acessível e ecologicamente correto, pois as concessionárias de energia precisam recorrer menos às usinas de reserva, que geralmente queimam combustíveis mais poluentes. Muitos proprietários de veículos elétricos, incluindo Baker, também acreditam que essa alternativa seja mais prática do que parar para recarregar durante o dia.

“Recarregar em casa, se for possível, é a melhor alternativa do ponto de vista ambiental”, afirma Baker. “Ficaria bastante decepcionada se os veículos elétricos produzissem exatamente os mesmos efeitos dos carros a gasolina, sem alcançar o seu pleno potencial.”