sábado, 7 setembro, 2024 22:06

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Entrevista com Renata Uchôa

Viver: Renata, conte-nos um pouquinho sobre você, de onde você é e a quanto tempo vive aqui nos Estados Unidos.

Renata: Nasci em Governador Valadares, mas aos 2 anos me mudei para Vitória/ES. Fui criada na beira da praia, me tornei nadadora olímpica me destacando nos estilos:  borboleta e costas, pois minha mãe sempre nos incentivou dizendo que a natação era o esporte mais completo, tanto para o corpo como para a mente. E foi graças a ela (que nao sabe nadar e tem medo de água, vim a descobrir a pouco tempo)! que me ajudou muito na minha vida tanto na disciplina diária como na construção do meu corpo infelizmente tive vários problemas de otite média e tímpano estourado e tive que interromper minha carreira de nadadora no Clube do Flamengo no Rio de Janeiro aos 18 anos e no ano seguinte fui embora para a Suíça, mais precisamente Lausanne para aprender francês (minha segunda língua depois do português,  e depois veio o alemão e o italiano por causa da escola de hotelaria, e depois que você aprende o primeiro idioma, os outros veem com mais naturalidade, pois os idiomas que derivam do bloco anglo-saxao e do latim.

Depois de me formar, trabalhar e viajar por 5 anos entre a Europa e a África, retornei para o Brasi mais precisamente para a praia/cidade de  Guarapari que é conhecida mundialmente pela praia da Areia Preta que tem um alto teor natural de radioatividade em sua areia, onde meu pai adquiriu restaurantes e night-clubes a onde morei e trabalhei por alguns anos, depois que tive a minha filha Yohanna decidi que não queria passar mais os finais de semana trabalhando e aí fui trabalhar na Empresa do meu pai de Mármores e Granitos e em 2002 ele decidiu abrir um warehouse aqui em Atlanta com um sócio e foi por isso que vim para os EUA. Infelizmente a sociedade não deu certo e eu acabei ficando por aqui, fui fazer o que quase todo mundo faz quando chega aqui e precisa de dinheiro rápido, a limpeza de casas. Fiz isso por uns 2 anos e um certo dia traduzindo para uma amiga em um condomínio, a gerente me perguntou se eu não me interessa em trabalhar com eles e apesar do dinheiro não ser tanto no início eu topei e lá fui eu trabalhar em uma empresa Americana, Grey Star Management.

V: Quais foram as suas maiores dificuldades com a mudança de País, o que foi mais difícil superar e aprender?

R: A minha maior dificuldade foi entender o inglês americano, já que eu morei e aprendi o inglês britânico em Canterbury, uma pequena cidade no interior da Inglaterra, por isso minha adaptação foi super fácil pois já tinha vivido em outros países do Primeiro mundo como Alemanha, Inglaterra e a Suíça.

V: Qual é a sua profissão hoje e quanto tempo levou para que você pudesse chegar aonde você chegou profissionalmente falando?

R:Enquanto eu trabalhava nesse condomínio alugando apartamentos eu caí e machuquei o joelho. Fiquei fora do trabalho por quase 1 ano e foi aonde eu decidi  tirar minha licença de esteticista em 2009, pois minha mãe sempre me falou que trabalhando com beleza e comida você consegue ganhar dinheiro em qualquer lugar do mundo. Terminei a escola em 2010 mas tive que interromper a minha carreira por causa da descoberta do câncer de ovário em 2011. Depois da quimioterapia, que terminou em Janeiro de 2012, voltei para Atlanta, onde fui trabalhar para Tropical Brazilian W ax de umas amigas que estudamos juntas na mesma escola. Elas abriram a loja antes de mim mas me deram a oportunidade do recomecar, Trabalhei durante uns dois anos entre uma loja e outra e enfim chegou a minha hora. Em 14 de março de 2014,  no dia do aniversário da minha filha Yohanna eu abri a minha primeira loja da Franquia Relax em Wax e em 2016 a segunda, depois em 2017 a terceira.

V: Quando e como você descobriu que estava com câncer? 

R: Em dezembro de 2010 comecei a sangrar 2 vezes ao mês, procurei o meu médico e ele me falou que o meu papanicolau que foi feito em outubro estava normal e que eu estava com os meus hormônios um pouco alterados pois eu já estava na pré-menopausa (eu estava com 45 anos) e que não era pra eu me preocupar pois isso era normal, então lá fui eu acreditando nas palavras do médico e como na época eu não sabia de nada sobre a menopausa eu acreditei. Fiquei sangrando mensalmente por 6 meses até que eu não aguentava mais o uso de absorvente eu decidi procurar uma médica e ela assim que me viu pediu em caráter de urgência uma ultrassom endovaginal, fiz e apareceu um cisto no meu ovário esquerdo e ela logo requereu uma biópsia, como eu morro de medo de agulhas, sim eu tenho verdadeiro pavor, sou igual a criança, passo mau, choro e até desmaio, risos) pedi a minha mãe que viesse segurar na minha mão e ficar comigo, (O resultado da ultrassom do Hospital northside foi que eu não me preocupasse pois o cisto era benigno, que retornassem em 6 meses para o acompanhamento) mas mesmo assim essa médica decidiu fazer a biopsia, e  mandei os resultados para a minha mãe pois meu avô era médico, venho de uma família de médicos, eles me pediram para pegar o primeiro voo e assim eu fiz, estava casada há somente 45 dias e minha filha estava com 14 anos deixando assim os 2 para trás e fiz uma mala pequena pois a retirada de um cisto e só precisaria de 30 dias para retornar.

V: Quais foram as suas primeiras reações, como você se comportou logo depois da notícia? Revolta, esperança, qual foi o seu sentimento naqueles primeiros momentos?

R: Depois de dois dias em São Paulo fui operada no hospital  Alemão Oswaldo Cruz e o médico me disse que retiraria somente um ovário e o útero, pois eu ainda era muito jovem para histerectomia total. Lá fui eu acreditando que tudo se resolveria em pouco tempo e quando eu acordei da cirurgia escutei o meu médico Dr. Fausto Baraccat, oncologista que também  operou minha prima que teve câncer no seio em São Paulo(e 99 por cento das mulheres não sabem que a mesma mutação genética do câncer de seios “e a mesma do câncer de ovários), falando para os meus pais que infelizmente ele não pode fazer o prometido pois o câncer já tinha se espalhado para o meu peritônio e o intestino e que ele retirou o máximo e o restante teria que ser através da quimioterapia, na realidade eu só escutei a palavra quimioterapia e aí eu comecei a chorar, não pelo o diagnóstico mas sim por causa das agulhadas que eu teria que tomar. Pois quando eu saí de Atlanta eu fui batizada nas águas através do Pastor Sérgio e a sua esposa Pastora Márcia que me apresentaram e me fizeram conhecer e reconhecer Jesus como meu único salvador.

V: Como e quanto tempo durou o seu tratamento?

R: O primeiro diagnóstico foi em setembro de 2011 que foram 6 tratamentos de quimioterapia a cada 3 semanas, esse primeiro quase não senti muito os efeitos colaterais, graças a Deus consegui uma vaga em um hospital filantrópico que nasceu de uma história de luta, dedicação ao próximo e solidariedade, nascido de um sonho da Associação Feminina de Educacao e Combate ao Câncer, AFECC Vitória E/S ,pois tinha 20 dias para me recuperar entre as sessões.

V: Quantas vezes você teve que lutar contra essa doença? Como foi passar por isso mais de uma vez?

R: O término do primeiro tratamento foi em Janeiro de 2012 e fiquei em remissão até Setembro de 2014, exatamente 6 meses da abertura da minha primeira loja e só descobri por insistência mais uma vez da minha mãe que me fez tirar uma semana de folga para ir ao Brasil assinar uns documentos importantes para a minha filha que tinha voltado para o Brasil após a minha separação, e um dia antes de retornar para Atlanta fui ver a minha médica e insisti com ela para pedir ultrassom do meu fígado, pois eu tinha perdido uma prima que tinha começado o mesmo tratamento 3 meses antes do meu diagnóstico mas que infelizmente não resistiu e acabou falecendo. Mas a minha médica disse que todos os meus exames estavam normais que eu não precisava me preocupar, eu fazia exames a cada 3 meses em Atlanta e mandava os resultados para ela no Brasil, mas eu insisti 3 vezes e na terceira vez ela falou: ta bom,  e ela me perguntou quando você volta para Atlanta? e eu respondi amanhã ao meio dia, então ela me passou a prescrição e assim que eu fizesse eu a enviaria os resultados. Assim que saí do consultório dela fui pra casa terminar de arrumar a minha mala e assim que cheguei no apartamento dos meus pais que moram no 15 andar, da janela do meu quarto existe uma pedra e em cima dela tem uma cruz e estava um pôr do sol maravilhoso e eu olhando para esse cenário esplêndido escutei uma voz que hoje eu sei que foi o Espírito Santo de Deus me dizendo vai e faz logo aqui os seus exames, olhei em volta mas nao tinha ninguem por perto, mas mesmo assim segui essa intuição, quais seriam as minhas chances de conseguir uma ultrassonografia para o dia seguinte às 8 da manhã, já que o meu voo para Atlanta era ao meio dia e já eram mais de 5 horas da tarde, mas mesmo assim peguei o telefone e comecei a ligar, na primeira clínica não tinha, na segunda também não e quando eu já ia desistindo de fazer  deixando assim para fazer na minha próxima consulta em Atlanta que seria no mês de dezembro somente 3 meses a mais, já que estava tudo bem com os meus exames eu não tinha o porquê me preocupar, mas mais uma vez eu escutei aquela vozinha interior dizendo para tentar pela última vez, e assim eu fiz; liguei para a última clínica e adivinhem a minha surpresa quando a recepcionista me disse que ela tinha acabado de ter um cancelamento e que tinha uma vaga para ultrassom as 8 da manhã, eu nem acreditei. (Deus é perfeito em tudo) lá fui eu no dia seguinte, me despedi de toda a minha família e somente minha filha Yohanna que foi comigo pois ela ia me levar até aeroporto. Chegamos mais cedo para ter certeza que eles não se atrasarem e assim eu não perderia o meu voo de retorno, fui atendida no horário (coisa rara) e o médico olhou o meu fígado e disse que tudo estava em condições normais, então me respirei aliviada, ai quando ele começou a fazer as marcações para me liberar e ele passou pro lado esquerdo da minha coluna ele disse “opa”, é isso não  soou muito bem, ele sabendo que eu estava indo embora em algumas horas me perguntou se eu tinha condições de fazer um MURO com contraste. Então liguei para os meus pais que estavam saindo de viagem também para avisar que o médico tinha visto alguma coisa e pediu um exame mais detalhado do meu abdômen, ‘e claro que as palavras são sempre positivas, não é nada não, nao se preocupe. La fui eu com o medo das agulhas e fiz o exame e foram os 15 minutos mais longos da minha vida quando ele voltou com o resultado e me disse que eu não poderia voar e me disse para procurar imediatamente a minha oncologista Dra. Ana e assim eu o fiz, isso era uma quinta feira, corri imediatamente para o hospital aonde ela estava operando e a esperei sair com o resultados na mão ainda na esperança de que ela me dissesse que não era nada tão grave mas infelizmente depois de ver as imagens e o diagnóstico fatal veio: Um tumor maligno ao lado do meu rim esquerdo, ela me disse que seria uma cirurgia muito longa e que precisava de arranjar 10 doadores de sangue, que iria tentar salvar o meu rim esquerdo mas não era garantido. Enfim, eu tinha 48 horas para fazer o pré operatório e assim que ela conseguisse uma UTI disponível, domingo eu já me internaria e na segunda pela manhã a operação. Nao canso de repetir desde que realmente senti o amor de Deus na minha vida ele cuidou do mínimos detalhes: lembrando que hospital é filantrópico/SUS, conseguimos a UTI, 0s doadores de sangue, o quarto com as camas novas, enfim tudo para o sucesso da cirurgia, 4 horas se passaram e eu acordei olhando para um relógio e me dei conta que tinha terminado muito antes do previsto e a enfermeira ao meu lado me deu as boas notícias: ela conseguiu salvar o meu rim, não precisei de transfusão de sangue e que estava tudo bem, agora era só me recuperar e fazer as sessões de quimioterapia pois eu tinha tido metástase (quando as células cancerosas viajam através da corrente sanguínea ou vasos linfáticos para outras áreas do corpo.) Deus é fiel!!

V: Renata, fale um pouquinho sobre tudo o que você passou e como esse processo transformou você em uma mulher tão forte, com tanta alegria e disposição para a vida. Hoje existem tantas mulheres passando por esse tratamento, o que você diria a elas?

R: Bem primeiramente toda essa força, essa alegria e disposição de viver vem da minha fé em Deus, não sou carola de igreja,  sou gente de carne e osso e sim, sou pecadora, mas tenho uma fé inabalável e que Deus tem um propósito para a minha cura e ele me fez enxergar que a morte em si não me assustava, mas a possibilidade de chegar ao fim da vida sem aproveitá-la, de não usar o tempo da maneira que gostaria, e isso  hoje passa  pelo o meu  trabalho na área de depilação e com a minha história de  luta e fé contra o câncer  eu venho alertando várias pessoas e nessa minha trajetória eu já consegui salvar a vida de 4 mulheres. e também com a morte do meu pai com melanoma, eu também estou ajudando muitas mulheres, pois depois do falecimento do meu pai, todos os filhos tiveram que fazer um full body scan para olhar todas as pintas e sardas pelo corpo, e quando a minha médica pediu para ficar nua eu não entendi porque e a questioneI ela me respondeu que nas partes intimas também tínhamos pele e 5% dos cânceres de pele estavam em regiões onde nós não pegamos sol, tais como, as partes genitais, planta da mao e pe, entre os dedos, as axilas e couro cabeludo e aprendendo isso e com essa informação  nos últimos 3 anos no meu trabalho sempre que vejo alguma cliente eu as alerto e peço que vão procurar uma dermatologista e nesse decorrer 5 clientes voltaram para me agradecer pois foram diagnosticadas com melanoma. Algumas logo no início e outras já no terceiro estágio, enfim, mais um propósito de Deus na minha vida!!

Em vez de medo e angústia eu percebi que o câncer tinha algo para me ensinar; soube ouvir o que as células maluquinhas que se desenvolviam desordenadamente que elas precisavam de amor e  o carinho de  Deus, e  nessa caminhada ele estava me fortalecendo para ressignificar todos os minutos da minha nova vida, meu nome ‘é Renata, que  significa: nascida duas vezes, eu não sei a  receita para a cura mas sei dos ingredientes que podem ajudar: otimismo, força, esperança, bom humor, paciência e FÉ,  muita FÉ, e eu sabia que antes de Deus fazer algo por mim ele iria fazer  algo “em mim” e eu aprendi o significado da palavra gratidão  nos mínimos  detalhes da vida “taken for granted” que pior do que ter um dia ruim  era mão ter um dia!!! Envelhecer é um privilégio e orgulho, que todas as cicatrizes no meu corpo causadas pelo câncer me  fazem lembrar por onde eu estive e a onde eu estou e são sinais de força, luta e superação e que todas nós podemos, basta acreditar e não desistir de ter FÉ NUNCA sempre será a melhor opção!!