segunda-feira, 10 março, 2025 16:26

MATÉRIA

Sobre o amor

Viver Magazine Reflexão sobre o Amor

“Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.” Certamente você conhece esse poema e talvez tenha até cantarolado os versos na melodia de ‘Monte Castelo’ da Legião Urbana. Mas o poema de Luís Vaz de Camões é bem mais antigo que a canção. Foi publicado em 1598 pelo escritor português e mostra que o amor induz ideias contraditórias, como uma ferida que dói, mas não é sentida ou uma alegria triste. Isso só demonstra a genialidade do escritor que há mais de quatro séculos escreveu versos tão atemporais que fazem sentido até hoje. O amor é essencial. É um sentimento exaltado por alguns e desprezado por outros. O amor une, separa, fere, cura, machuca, dói, satisfaz, alegra, nos faz viver. Todos falam sobre o amor. Se citamos Camões, por que não citar versos ainda mais antigos de tempos bíblicos como os encontrados em 1 Coríntios 13:4-7: “O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

A bíblia ensina que fé, esperança e amor formam uma trindade eterna de sentimentos nobres e puros. Mas o quão nobre é esse sentimento? Para muitos, amor é como oxigênio, uma necessidade para sobrevivência do ser humano. O amor é celebrado em textos, músicas, filmes, esculturas e outras várias formas de representação artística. Se olharmos para um lado mais científico, pesquisadores explicam que o amor nada mais é que um número de reações químicas que acontecem no nosso próprio corpo. Substâncias como noradrenalina, dopamina, serotonina, feniletilamina (também conhecida como o “hormônio da paixão”) são responsáveis por aquela sensação fantástica e gostosa que temos quando estamos apaixonados. Fazem com que nos sintamos leves, onde tudo fica mais bonito, faz até que deixemos os problemas de lado e passemos a apreciar com mais atenção as letras das músicas românticas. Ah, o amor. Casais apaixonados, principalmente no início da relação parecem perfeitos um aos olhos do outro. A palavra ‘perfeito’ vem do latim ‘perfectum’, que significa ‘feito por ‘inteiro’, ou seja, algo que já está pronto. E é assim que casais apaixonados se veem, prontos um para o outro. 

Aqueles mais experientes, sabem que na grande maioria dos casos, a paixão, aquela que pode ter início na simples troca de olhares, ou até mesmo ao se deparar com uma foto em um aplicativo de celular, tem um tempo determinado. Sim, é verdade. Não tenho a intenção de parecer pessimista, mas aquela faísca que acende toda vez que se está ao lado da pessoa amada, com o passar do tempo ela vai se apagar. Alguns estudiosos se arriscam inclusive a determinar um prazo para que isso aconteça. De acordo com a ciência, a paixão dura o tempo suficiente para que a procriação aconteça. É importante ressaltar que esta é uma visão estritamente biológica. Estudos indicam que isso pode levar em média de 18 a 36 meses, alguns casos levam mais, outros menos. Você pode até se perguntar: “mas eu estou me relacionando há muito mais tempo que isso e continuo apaixonado!”, ou “minha paixão não durou uma noite”. Há exemplos em todos os extremos. 

Pessoas com uma grande fragilidade emocional, ou se encontram muito ‘carentes’, têm uma tendência maior a se apaixonar fácil. Mas é importante saber diferenciar, nesse caso, a paixão momentânea do amor. Quem já se relaciona há muito tempo com uma mesma pessoa, sabe que o fim da paixão não significa que o amor tenha acabado, muito pelo contrário. Amar significa entender as diferenças, compartilhar, superar dificuldades juntos, conversar, decidir, brigar às vezes, mas sempre compreender o porquê de estarem juntos. É fundamental nos momentos de crise, lembrar por que aquela pessoa te conquistou lá no início. É preciso enxergar no seu parceiro ou parceira aquela pessoa pela qual você se apaixonou. Para quem já está junto há muitos anos, parece uma tarefa difícil, mas é um exercício diário de aprendizado e compreensão. 

O amor se multiplica. Afinal, não existe somente o amor romântico. Existe o amor entre pais e filhos, entre membros de uma família e até mesmo entre pessoas que não compartilham nenhum vínculo familiar e entre quem nem está apaixonado. Sem segundas intenções. Apenas, amor. É possível? Talvez sim. O sentimento que liga, une e faz criar um desejo de proteção, de estar próximo, de cuidar, é amor. O amor ao próximo. O amor incondicional da maioria das mães e pais aos seus filhos. Isso é algo lindo de viver e somente quem tem filhos sabe descrever esse sentimento. Sabemos que hoje em dia, constituir uma família já não é opção de muitas pessoas. O amor vai se modificando, se transformando. Hoje muitos encontram seus parceiros nas telas dos aplicativos, quase como se estivessem comprando um produto. Esse não. Muito magro. Muito gordo. Muito alto. Muito baixo. Não gostei desse penteado. Ihh, ele não gosta de cachorro. Essa não. Ela prefere relacionamentos não monogâmicos. E arrasta para um lado e curte uma foto aqui, e outra alí. Será que isso funciona? Para muitos sim. São inúmeros relatos de pessoas que encontraram sua cara metade nas telas dos aplicativos. O que nos leva a uma outra questão interessante: será que existe realmente uma ‘cara metade’ para todos nós?

Há aqueles que acreditam em destino. Imaginem um jovem rapaz que acabou de terminar um relacionamento após cinco anos de namoro, e que decide viajar com amigos para esquecer a ex-namorada. Na viagem, ele acaba conhecendo uma moça pela qual se apaixona, começam a namorar, casam-se e formam uma linda família. Vai entender, não é Helen? Tenho certeza de que muitos de vocês têm histórias surpreendentes para contar. Encontrar o parceiro ideal pode ser uma busca sem fim. O cinema tem uma certa tendência em mostrar casais que ‘viveram felizes para sempre’ e isso, ao longo do tempo, criou uma expectativa na mente da maioria das pessoas de que o relacionamento perfeito existe, só falta encontrar. Com isso, muitos passam anos procurando sua alma gêmea sem sucesso. A questão é que essas pessoas que idealizam demais uma relação, não percebem que o ideal que elas tanto procuram às vezes possa estar mais próximo do que elas imaginam. Certamente ao longo dessa busca incessante, elas cruzaram seu caminho com pessoas que estabeleceram uma boa conexão, mas que devido ao seu nível inalcançável de exigência, acabaram por deixá-las ir. Quando perceberem o que perderam, pode ser tarde demais. 

“Boa noite, boa noite, boa noite! A despedida é dor tão doce que ficarei aqui te dizendo boa noite até que seja dia…” – versos de Romeu e Julieta de Shakespeare. As pessoas que amam verdadeiramente sofrem demais quando o amor não é correspondido. Isso faz parte da vida. Aprender com as desilusões, se reerguer e seguir em frente é algo que aprendemos com o tempo. O que não pode acontecer, na minha humilde opinião, é que as pessoas deixem de acreditar no amor após terem se decepcionado seja por um relacionamento que não deu certo ou por um amor não correspondido. Ao logo da vida, já vi muitos casais que se separaram após longos anos de relacionamento e cada um conseguiu construir uma nova história, e em alguns casos, ainda mantiveram a amizade e o respeito um pelo outro. Por outro lado, também já vi histórias de separação em que as pessoas nunca mais conseguiram se reerguer e a vida se tornou um caos. Nesse caso, o indivíduo de alguma forma não teve a capacidade de retomar as rédeas da sua vida, talvez pelo trauma da separação, por culpar o outro, por não conseguir se relacionar novamente e carregar esse vazio que interfere em todos os aspectos da sua vida pessoal e até profissional. Muitos carregam um ódio irracional de seus ex-cônjuges que os cegam para qualquer possibilidade de ser feliz novamente. Uma frase do professor Mario Sérgio Cortella é bastante apropriada nesse caso: “o ódio é o veneno que você toma desejando que faça mal a outra pessoa.” Isso faz muito sentido uma vez que o ódio acaba prejudicando somente a quem o deseja. 

Tente não idealizar algo que seja impossível de ser alcançado. Sonhar é bom, mas a idealização irracional pode nos levar à frustração se não conseguirmos alcançar o que desejamos. Quando o foco é tentar encontrar algo perfeito, deixamos de aproveitar o caminho, de olhar para o lado e perceber as pessoas que estão com a gente. Não observamos a beleza da jornada e não aproveitamos o amor no nosso dia a dia porque acreditamos que só iremos encontrá-lo no fim da caminhada. Olhe ao seu redor, perceba quem te ama e valorize cada minuto ao lado dessas pessoas. O futuro é hoje. Não desperdice seu tempo deixando tudo para amanhã pois o amanhã pode não chegar. Nem o seu, nem de quem você ama. Ah, sim, para quem se perguntou quem é a Helen que mencionei lá no meio do texto, ela é minha esposa, e o rapaz sou eu. E já estamos juntos há 20 anos. Finalizo da mesma forma que comecei, citando ‘Monte Castelo’ em um mix da letra de Renato Russo e de ‘1 Coríntios 13’: ‘Ainda que eu falasse a língua dos homens, e falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.’

Rodrigo Souto Souza
Psicólogo, especialista em Marketing e Desenvolvimento
de Pessoas. Doutorando em Liderança Organizacional
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@sowtosouza